quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Favela plural

Por Gabriel Giraud

5x favela – agora por nós mesmos pode soar ao espectador brasileiro como “mais um filme de favela” ou qualquer obra de ode à pobreza que tanto frequentou a história do Cinema Brasileiro da última década. A evidência recorrente das péssimas condições daqueles que moram nessas comunidades urbanas criou um estigma na cinematografia brasileira e no público. A favela é vista quase como algo fetichista dos “ricões que querem falar de pobre”. Mas 5x favela honra seu subtítulo. Agora, é a favela que conta a favela.

Fonte de renda, de Manaira Carneiro e Wavá Novais

O que enriquece os roteiros dos curtas que compõem 5x favela é o diálogo constante do morro com o asfalto. Não há um isolamento; a favela faz parte da cidade e estamos todos “juntos e misturados”. Há muita sinceridade no filme; o trabalho em equipe transparece. Talvez por isso exista uma pluralidade no filme que pode dar um tom desigual. Há grandes acertos em muitos momentos, como na atuação, na fotografia, na montagem e na trilha sonora. No entanto, também há coisas que poderiam ser melhoradas nesses mesmos aspectos. 5x favela também não consegue ser uma obra única pelos vários tônus dramáticos dos cinco filmes. Cada história tem particularidades muito distintas e é difícil ver o filme como uma obra única; o filme será desigual para quase todo mundo.

Feijão com arroz, de Rodrigo Felha e Cacau Amaral

A tônica do humor perpassa três dos cinco curtas; a questão do tráfico também está em três, sendo que em um, Concerto para violino, há violência explícita. Feijão com arroz e Acende a luz são, de longe, os mais lúdicos, quase como fábulas. Eles ganham no quesito atuação e divertimento. Acende a luz tem uma fotografia muito criativa e aconchegante, com cores um tanto novelescas, o que enriquece a história leve e engraçada. Deixa voar também conta com uma bela fotografia, mas aqui evidenciando o céu e os rostos dos adolescentes.


Concerto para violino, de Luciano Vidigal

Deixa voar, de Cadu Barcellos

A criatividade narrativa ou a cinematográfica não são muito trabalhados (exceto talvez pelo paralelismo narrativo de Concerto para violino), mas a riqueza de detalhes, da arte à atuação, do roteiro ao som, mostra o quão bem trabalhado e articulado foi esse longo e trabalhoso processo. O ineditismo do projeto reside no projeto em si, concepção que pode criar um novo ramo na indústria cinematográfica: o de cinema de mutirão.

Acende a luz, de Luciana Bezerra

Cada um encontrará sua relação com a favela dentro desses cinco curtas. Cada um aprenderá alguma coisa nova sobre a vida em comunidade. Cada um se surpreenderá com algum aspecto muito semelhante ao seu próprio cotidiano. E é essa pluralidade e polifonia que levará 5x favela e o Cinema Brasileiro para viajar bem longe.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Pavor animado

Começa nesta quarta-feira 8 o festival Animaldiçoados – Festival Inernacional de Animação de Horror (Animacursed em inglês). Com uma programação com curtas e longas de vários países, o Animaldiçoados promete assustar muita gente, mas guardando o lado fantástico e, às vezes, engraçado do horror. Zumbis, vampiros, morte, monstros estarão garantidos nessa mostra. Além das sessões de filmes, haverá também palestras de animação com inscrição gratuita pelo site.

O Festival estará no Rio de Janeiro no Centro Cultural da Justiça Federal (Av. Rio Branco, 241, perto do metrô Cinelândia) de 8 a 12 de setembro. Em São Paulo, o Festival tomará a Reserva Cultural (Av. Paulista, 900, entre as estações de metrô Trianon Masp e Brigadeiro) de 17 a 23 de setembro.

Para conferir a programação, preços e se inscrever nas palestras, visite o site do Festival Animaldiçoados. Para se programar, o Cadernos recomenda o curta belga Touchdawn of the Dead, de Pierre Mousquet; o japonês Bloody Night, de Takena Nagao; o irlandês indicado ao Oscar de melhor curta de animação Granny O’ Grimm’s Sleeping Beauty, de Nicky Phelan; e o criativo espanhol Vicenta, de Sam, que você pode dar uma olhada no teaser:

Terços, crucifixos e alho recomendados.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Um sonho dentro de um filme dentro de um sonho

por Alice Fonseca



"Qual é o parasita mais resistente? Uma idéia. A única idéia de que a mente humana pode construir cidades. Uma idéia pode transformar o mundo e reescrever todas as regras.” E assim começa o trailer de um dos filmes mais comentados do ano.

Eu sei, eu sei... Estamos em falta ao que se trata da nova obra de Christopher Nolan, “A Origem” (Inception), mas o que se tem se falado e especulado a respeito do filme deixa qualquer um inseguro sobre o que articular ao certo. Pessoalmente, eu quero ir o mais superficial possível para não arruinar a experiência que você terá com este longa com uma sobrecarga de informações. Por isso, tentarei ser o mais breve possível e te apresento a sinopse oficial (peguei “emprestado” do IMDB), para você que não viu entender o que está perdendo.

SINOPSE: Em um mundo onde existe tecnologia para entrar na mente humana pela invasão de sonhos, uma ideia única dentro da mente de alguém pode ser a arma mais perigosa ou o bem mais valioso. A própria trama deste filme-mistério é um mistério mantido pela Warner Bros Pictures. Mas, conseguimos filtrar que Dom Cobb (DiCaprio) é um especialista no ramo da espionagem corporativa. Ele é um ladrão de sonhos que arranca segredos das mentes de magnatas depois de enchê-los de drogas e fisgá-los em uma engenhoca misteriosa. O problema é que Cobb pode ser vulnerável, já que ele é um sonhador abalado depois da morte da sua esposa.


O lance desse filme é a luta para determinar o que é real num mundo onde o seu sonho é como o real, onde a única coisa que difere da realidade são os paradoxos (como a escada de Escher – infinitamente em loop) e os labirintos. Bem, não vou ousar fazer uma crítica sobre o filme, muito menos dar o número de rabiscos que eu acho que ele merece... Isso eu deixo para os meus amigos que são os melhores no que fazem. Mas, confesso que eu não lembro a última vez em que saí do cinema depois de duas horas e meia desejando poder dar a volta meia volta e ver o que deixei escapar.

Mas será que foi Nolan que criou esse universo mesmo? Em 2004 foi lançada uma revista em quadrinhos do Tio Patinhas, na qual a história é: os Irmãos Metralhas usam uma máquina especial para entrar nos sonhos do Tio Patinhas e roubar a combinação de seu cofre. Na tentativa de evitar os atentados, o Pato Donald e seus sobrinhos entram no sonho do Tio Patinhas. E como se não fosse parecido o suficiente quando alguém se machuca no sonho, eles acordam imediatamente.


Sendo Christopher Nolan responsável ou não pela origem de Inception, uma coisa é certa: é um filme de ação e divertido se você quiser que seja, afinal, tem as piadinhas, as explosões, os tiroteios e as perseguições (tudo o que um filme blockbuster deve ter). Mas, se você quiser pode ser um filme cabeça também, dolorosamente inteligente e com sua conexão de regras do universo que Nolan cria. Por um lado ou por outro, você sai ganhando.

sábado, 21 de agosto de 2010

Rigor

por Gabriel Giraud

“Rigor” é um substantivo que denota uma qualidade – ou defeito, para muitos – determinadora de precisão, rigidez, exatidão. Também denota outras atitudes caracterizadoras de vigor, educação, perspicácia, inteligência e trabalho árduo. Num filme, um trabalho rigoroso é dito de uma obra em que uma vasta pesquisa, o trabalho de atores e o da arte foram feitos de forma quase que extenuante, intermediados por uma fotografia sem rodeios, clássica e, muitas vezes, difícil.

Igor Stravinsky era um homem que prezava pela cultura. Ele, além de compositor e maestro, escreveu livros e era sedento por conhecimento. Flertou com diversas formas e gêneros dentro da música clássica e fez importantes parcerias. O rigor era um de seus fortes. Era um vanguardista; nem sempre sua obra era bem aceita. No entanto, teve seu reconhecimento e é visto até hoje como um compositor perfeccionista e metódico.


Coco Chanel é o arquétipo da mulher moderna. Independência, sucesso profissional e elegância resumem sua vida. Sobriedade e formalidades estéticas permeiam suas coleções. O rigor era um de seus fortes. Era uma vanguardista; nem sempre suas atitudes eram bem aceitas. No entanto, teve seu reconhecimento e é vista até hoje como uma estilista e mulher de sucesso.

Nesse contexto, qualquer filme que for tratar do romance desses dois personagens pode cair numa rota perigosa. Não se sabe muito do affair que eles tiveram. Mas, como eles eram pessoas relativamente fechadas com suas vidas privadas, para manter a verossimilhança no roteiro, a invenção do dia-a-dia da “história de amor” de Igor e Coco pode cair no tédio. E é isso o que acontece em Coco Chanel & Igor Stravinsky.

O que marca no filme, contudo, é o rigor. O rigor dos personagens, o rigor de suas obras, o rigor visual, musical, da composição dos personagens tanto por Mads Mikkelsen e por Anna Mouglalis. O rigor da servidão de Katerina, a esposa dedicada e muito bem atuada por Yelena Morozova. O rigor da fotografia, com um belo plano-sequência inicial.

Nessa adaptação de um romance para roteiro de cinema, houve falta de elementos dramáticos necessários em uma trama desenrolada no audiovisual. Houve a filmagem de dois personagens com seus turbilhões emocionais, mas que não externaram isso tão bem. E o prolongamento disso num filme relativamente longo piora o processo.

O roteiro deveria ter pensado a história como filme. Assim, uma boa história seria a que contasse o affair de Coco e Igor como nada mais do que um affair, e talvez com elementos que fossem, pelo menos, mais didáticos, ou de qualquer outra natureza que preenchesse o vazio dessa relação (e o tédio do público). Uma história ganharia um trato rigoroso. Rigor esse que faria qualquer história ser digna de ser vista.


terça-feira, 17 de agosto de 2010

Genialidade no grão-de-bico

por Gabriel Giraud

Paul Giamatti é Paul Giamatti. Um ator real de Nova York é o personagem principal de uma realidade superabstrata. Almas à venda, da debutante Sophie Barthes, já submerge o público a um incrível paradoxo real/surreal, onde existe um verdadeiro comércio de extração e armazenamento de almas – e o nosso protagonista acaba perdendo sua alma nessa brincadeira.

Apesar da provável complicada concepção, a narrativa é simples. No entanto, sua trama guarda subtextos que podem não ser facilmente apreendidos pelo espectador menos experiente ou sensível. Num mundo onde almas são objeto de mercado, o sentido de humanidade é, com humor fino, questionado a cada momento. É humano sentir? Fingir? Suportar? Somos corpos ligados a almas ou almas ligados a corpos?

Essas perguntas são muito bem ilustradas pelo belo cartaz do filme (é raro ter o prazer de ver um cartaz com uma apresentação gráfica tão criativa sendo tão significativo). O filme é muito bem emoldurado por uma trilha sonora de alta qualidade, um trabalho de arte primordial e atuações surpreendentemente exatas.


Questões extremamente metafísicas tomam formas divertidas, sejam elas visuais ou narrativas. As gags são de muito bom gosto. Almas à venda é uma comédia no seu sentido original aristotélico. No entanto, Almas à venda não se configura como uma comédia do sentido comum. A carga trágica e moderna corre pela personagem da mula de almas, a russa Nina. Temos um roteiro híbrido, onde realidade/irrealidade e dois personagens de “histórias diferentes” brincam e se (nos) questionam nesse plano cartesiano “zoado”, onde a própria citação inicial de Descartes é parte da comicidade do filme.


As sensações que se pode ter do filme são várias, como também nenhuma. A narrativa não tem elementos tocantes, principalmente no que concerne o trato do protagonista. Ele não tem carisma. É difícil de se identificar com ele. O que se aprecia é a construção do personagem e a atuação do Paul Giamatti ator e de todos os momentos do personagem que o Paul Giamatti personagem atua nos ensaios. Ufa, confuso? Nem tanto. Somos bem mais.



sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Me despreze, mas nem tanto

por Matheus Miguens


Vamos deixar as críticas técnicas e burocráticas de lado. Nada de falar de direção, roteiro, estética, bla bla bla. É apenas uma animação, e uma daquelas bem bobinhas.

Não vou falar mal do filme. Eu sou um fã incondicional de animações, mesmo as mais idiotas. Daquele que transforma a semana do Anima Mundi em férias. Só acho que eu merecia mais por ter esperado Meu Malvado Favorito ser lançado, desde dezembro do ano passado, quando ele ficou pronto. Quer dizer, como fica a reputação de um jovem crítico após a enfadonha promoção do filme entre os amigos, antes mesmo de ter sido lançado? Pois é, aposta de fã. A todos, minhas desculpas.

Mas o filme até que é divertido, ainda mais em 3D. Recheado daquelas piadinhas de riso instantâneo com fisionomias momentâneas e vozes manipuladas pra te fazerem rir. Tipo, pra criança mesmo. Ele é legal, exceto algumas infelicidades.


A primeira delas é que a distribuidora do Malvado aqui no Brasil resolveu não fornecer cópias legendadas para os cinemas. Ah, que legal. O carro-chefe de promoção do filme é exatamente o elenco dos cômicos atores hollywoodianos que emprestaram suas vozes aos personagens! Como assim? Como eles podem, na cara dura, me vetarem de ouvir a voz de Steve Carell?! Mais do que isso, a infelicidade é elevada ao quadrado quando o substituto é Leandro Hassum. Tsc tsc. Com as vozes originais, provavelmente terei uma maior aceitação.

A outra infelicidade já me aconteceu antes e tá na moda. Essa mania de juntar as melhores piadas de um filme no trailer é infernal! Elas perdem a graça, só eu acho isso? A Universal resolveu lançar milhões de trailers anteriormente ao lançamento do longa. Resultado, as três primeiras cenas do filme você já conhece e mais outras quatro ao longo dele também.

Meu Malvado Favorito não passa de um ‘quero-ser-um-pixar’.


terça-feira, 13 de julho de 2010

Trilogia de quatro

Por Gabriel Giraud

Shrek não viveu sua redenção e nem pôde viver seu “felizes para sempre” depois do suposto fim em Shrek Terceiro. Isso preparou o mote para a última aventura do ogro em Shrek Para Sempre, com uma trama anômala aos antigos filmes da série. Muita diversão, mas, motivo para o filme existir... não tem, não.
O filme é um “se” da história do ogro. Agora imaginemos se cada filme que víssemos tivesse um “se”. Por isso a trama que surge no quarto é bem artificial, algo produzido pela – atenção para o clichê – grande indústria do entretenimento para ganhar mais dinheiro.
OK, a diversão é relativamente boa. Dessa vez, o ogro mostra um psicológico diferente dos anteriores, vivenciando uma angústia da rotina e da boa-vizinhança – algo bem sabido do homem de hoje. Temática até adulta demais, algo que não garante tanta solidariedade dos pequenos.
A trama também é meio complicada pros pequenos, pois Shrek vive num universo paralelo. A palavra “metafísica” é empregada no filme pelo novo vilão Rumplaoijdowiqoskyyk (ou alguma coisa parecida). Falta-lhe carisma, ainda mais quando lembramos do saudoso Encantado e suas belas madeixas angelicais.



Talvez o Gato de Botas salve a comicidade. As piadas ainda têm seu brilho, mas a sensação de não-identificação e a pieguice o ofuscam. No entanto, o final fecha o ciclo da história com o início do filme e com o início da trilogia, cumprindo o seu papel essencial. E, o melhor, a trilha musical. Majestosa!
Shrek vai ficar no coração de todos como o filme que mais uniu os reinos do cinema infantil e referências adultas. Mas o melhor dele já foi visto.