sábado, 21 de agosto de 2010

Rigor

por Gabriel Giraud

“Rigor” é um substantivo que denota uma qualidade – ou defeito, para muitos – determinadora de precisão, rigidez, exatidão. Também denota outras atitudes caracterizadoras de vigor, educação, perspicácia, inteligência e trabalho árduo. Num filme, um trabalho rigoroso é dito de uma obra em que uma vasta pesquisa, o trabalho de atores e o da arte foram feitos de forma quase que extenuante, intermediados por uma fotografia sem rodeios, clássica e, muitas vezes, difícil.

Igor Stravinsky era um homem que prezava pela cultura. Ele, além de compositor e maestro, escreveu livros e era sedento por conhecimento. Flertou com diversas formas e gêneros dentro da música clássica e fez importantes parcerias. O rigor era um de seus fortes. Era um vanguardista; nem sempre sua obra era bem aceita. No entanto, teve seu reconhecimento e é visto até hoje como um compositor perfeccionista e metódico.


Coco Chanel é o arquétipo da mulher moderna. Independência, sucesso profissional e elegância resumem sua vida. Sobriedade e formalidades estéticas permeiam suas coleções. O rigor era um de seus fortes. Era uma vanguardista; nem sempre suas atitudes eram bem aceitas. No entanto, teve seu reconhecimento e é vista até hoje como uma estilista e mulher de sucesso.

Nesse contexto, qualquer filme que for tratar do romance desses dois personagens pode cair numa rota perigosa. Não se sabe muito do affair que eles tiveram. Mas, como eles eram pessoas relativamente fechadas com suas vidas privadas, para manter a verossimilhança no roteiro, a invenção do dia-a-dia da “história de amor” de Igor e Coco pode cair no tédio. E é isso o que acontece em Coco Chanel & Igor Stravinsky.

O que marca no filme, contudo, é o rigor. O rigor dos personagens, o rigor de suas obras, o rigor visual, musical, da composição dos personagens tanto por Mads Mikkelsen e por Anna Mouglalis. O rigor da servidão de Katerina, a esposa dedicada e muito bem atuada por Yelena Morozova. O rigor da fotografia, com um belo plano-sequência inicial.

Nessa adaptação de um romance para roteiro de cinema, houve falta de elementos dramáticos necessários em uma trama desenrolada no audiovisual. Houve a filmagem de dois personagens com seus turbilhões emocionais, mas que não externaram isso tão bem. E o prolongamento disso num filme relativamente longo piora o processo.

O roteiro deveria ter pensado a história como filme. Assim, uma boa história seria a que contasse o affair de Coco e Igor como nada mais do que um affair, e talvez com elementos que fossem, pelo menos, mais didáticos, ou de qualquer outra natureza que preenchesse o vazio dessa relação (e o tédio do público). Uma história ganharia um trato rigoroso. Rigor esse que faria qualquer história ser digna de ser vista.


terça-feira, 17 de agosto de 2010

Genialidade no grão-de-bico

por Gabriel Giraud

Paul Giamatti é Paul Giamatti. Um ator real de Nova York é o personagem principal de uma realidade superabstrata. Almas à venda, da debutante Sophie Barthes, já submerge o público a um incrível paradoxo real/surreal, onde existe um verdadeiro comércio de extração e armazenamento de almas – e o nosso protagonista acaba perdendo sua alma nessa brincadeira.

Apesar da provável complicada concepção, a narrativa é simples. No entanto, sua trama guarda subtextos que podem não ser facilmente apreendidos pelo espectador menos experiente ou sensível. Num mundo onde almas são objeto de mercado, o sentido de humanidade é, com humor fino, questionado a cada momento. É humano sentir? Fingir? Suportar? Somos corpos ligados a almas ou almas ligados a corpos?

Essas perguntas são muito bem ilustradas pelo belo cartaz do filme (é raro ter o prazer de ver um cartaz com uma apresentação gráfica tão criativa sendo tão significativo). O filme é muito bem emoldurado por uma trilha sonora de alta qualidade, um trabalho de arte primordial e atuações surpreendentemente exatas.


Questões extremamente metafísicas tomam formas divertidas, sejam elas visuais ou narrativas. As gags são de muito bom gosto. Almas à venda é uma comédia no seu sentido original aristotélico. No entanto, Almas à venda não se configura como uma comédia do sentido comum. A carga trágica e moderna corre pela personagem da mula de almas, a russa Nina. Temos um roteiro híbrido, onde realidade/irrealidade e dois personagens de “histórias diferentes” brincam e se (nos) questionam nesse plano cartesiano “zoado”, onde a própria citação inicial de Descartes é parte da comicidade do filme.


As sensações que se pode ter do filme são várias, como também nenhuma. A narrativa não tem elementos tocantes, principalmente no que concerne o trato do protagonista. Ele não tem carisma. É difícil de se identificar com ele. O que se aprecia é a construção do personagem e a atuação do Paul Giamatti ator e de todos os momentos do personagem que o Paul Giamatti personagem atua nos ensaios. Ufa, confuso? Nem tanto. Somos bem mais.



sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Me despreze, mas nem tanto

por Matheus Miguens


Vamos deixar as críticas técnicas e burocráticas de lado. Nada de falar de direção, roteiro, estética, bla bla bla. É apenas uma animação, e uma daquelas bem bobinhas.

Não vou falar mal do filme. Eu sou um fã incondicional de animações, mesmo as mais idiotas. Daquele que transforma a semana do Anima Mundi em férias. Só acho que eu merecia mais por ter esperado Meu Malvado Favorito ser lançado, desde dezembro do ano passado, quando ele ficou pronto. Quer dizer, como fica a reputação de um jovem crítico após a enfadonha promoção do filme entre os amigos, antes mesmo de ter sido lançado? Pois é, aposta de fã. A todos, minhas desculpas.

Mas o filme até que é divertido, ainda mais em 3D. Recheado daquelas piadinhas de riso instantâneo com fisionomias momentâneas e vozes manipuladas pra te fazerem rir. Tipo, pra criança mesmo. Ele é legal, exceto algumas infelicidades.


A primeira delas é que a distribuidora do Malvado aqui no Brasil resolveu não fornecer cópias legendadas para os cinemas. Ah, que legal. O carro-chefe de promoção do filme é exatamente o elenco dos cômicos atores hollywoodianos que emprestaram suas vozes aos personagens! Como assim? Como eles podem, na cara dura, me vetarem de ouvir a voz de Steve Carell?! Mais do que isso, a infelicidade é elevada ao quadrado quando o substituto é Leandro Hassum. Tsc tsc. Com as vozes originais, provavelmente terei uma maior aceitação.

A outra infelicidade já me aconteceu antes e tá na moda. Essa mania de juntar as melhores piadas de um filme no trailer é infernal! Elas perdem a graça, só eu acho isso? A Universal resolveu lançar milhões de trailers anteriormente ao lançamento do longa. Resultado, as três primeiras cenas do filme você já conhece e mais outras quatro ao longo dele também.

Meu Malvado Favorito não passa de um ‘quero-ser-um-pixar’.