domingo, 31 de janeiro de 2010

Só Dez Por Cento É Mentira

Por Gabriel Giraud



Na poesia, noventa por cento é invenção, só dez por cento é mentira. Dos versos do poeta do pantanal Manoel de Barros, 91, o documentário de Pedro Cezar (diretor de Fábio Fabuloso) busca introduzir a poesia, com flertes didáticos, aos olhos do espectador. Telúrica na consistência, a poesia da Manoel busca nas miudezas e nos inutensílios sua matéria. O filme não deixa por menos: ele nos refaz miúdos, crianças; as imagens nos puxam para as milhares de possibilidades que as palavras e as coisas podem se tornar. Como o poder das células-troco, o estágio primário nos permite ser tudo.

Como sou fã assumido de Manoel de Barros, não pude deixar de me alegrar (e me emocionar) com os interlúdios do documentário onde seus versos, cheios de humor e sentimentos infantis, aparecem na tela. Sua época mais intensa em produções deu-se nos últimos vinte anos, ou na sua terceira infância. A estética e a trilha não deixam por menos; a terra, os pios, as percussões, a água, as grandezas do ínfimo e o chão são representados com todas as cores, cheiros e sílabas que o cinema pode lhe servir e nos cortejar.

Além de ser introduzido à obra de Manoel, o espectador também é convidado a conhecer o próprio Manoel (que nunca havia dado uma entrevista em vídeo); um novo idioma, o idioleto manoelês archaico, e todas as suas invenções (por exemplo, o abridor de amanhecer e o esticador de horizontes); e, principalmente, a mudar a percepção de vida. Em vez de contemplarmos o grandioso dos céus e mares vastos, vamos prestar mais atenção na colossal beleza da sombra e do musgo sob a pedra.

Um documentário que emociona, não pelo sentimentalismo, mas sim pela poesia que cala. Eis aqui:

POEMA

A poesia está guardada nas palavras - é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Poderoso para mim é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios.

[In: Tratado geral das grandezas do ínfimo]




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