segunda-feira, 30 de novembro de 2009

À Procura de Eric (Looking For Eric)

Por Rafael Mathias



Falar de futebol no cinema não é fácil, usá-lo como elemento crucial em um filme, menos ainda. Curiosamente, nenhum filme sobre futebol até agora foi muito bem-sucedido, a magia dos gramados parece não ser totalmente transmitida para as telonas. Consigo me lembrar agora de Gol, Pelé Eterno, Penalidade Máxima (Mean Machine) e Linha de Passe. O primeiro foi um fracasso; o segundo: ficou na lembrança; o terceiro é tão ruim que nem terminei de ver; o quarto sim, esse valeu a pena. Por quê? Por ter usado o futebol apenas como um pano de fundo, como uma metáfora para a vida cotidiana, etc.

Dessa mesma forma trabalha o filme À Procura de Eric, usando o futebol como um elemento narrativo da vida do protagonista Eric Bishop. Elemento esse, personificado por seu ídolo Eric Cantona, ex-jogador do Manchester United (interpretado por ele mesmo).

O longa dirigido por Ken Loach foi indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes 2009, e conta a história de Eric Bishop, um sujeito infeliz com suas escolhas e sua realidade. Clássica crise de meia-idade.

O tema futebol e a glória desse esporte são abordados de forma instigante, apesar de algumas vezes cair em lições bobinhas. Sem contar que a trilha sonora nas imagens dos lances de Cantona é repleta de musiquinhas-menu-de-dvd, brega que só.

Com humor refinado, o roteiro se dispõe a contar uma história de uma personagem cativante, mas o coloca em situações desnecessárias. Tive a sensação de estar assistindo a milhões de capítulos de uma novela, comprimidos em 116min. Acontece de tudo com o nosso carismático Eric.

Os momentos mais válidos do filme são os de reflexão e debate, de Eric para Eric, embalados por tragos de maconha. Além disso, o cômico gran finale, que nos transmite um grande senso de humanismo em Eric e seus comparsas. Ah, e não saiam da sala de cinema assim que o crédito começar, valerá a pena.


segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Aconteceu em Woodstock (Taking Woodstock)

Por Matheus Miguens



Aconteceu em Woodstock é baseado no livro homônimo de Elliot Tiber e conta, num tom intimista, a história verídica do autor (personagem protagonista), que falido, larga a vida de designer em Nova Iorque para ajudar os pais com o precário hotel El Monaco, única fonte de renda da família, situado na pequena Bethel. Lá ele vê a chance de alavancar o turismo na cidade quando resolve trazer um festival de Rock que recentemente fora proibido de acontecer na cidade vizinha de Catskills, por repúdio dos conservadores habitantes à comunidade hippie. Assim nasce Woodstock, que propunha “três dias de paz e música” com shows de Janis Joplin, Bob Dylan e Jimmy Hendrix.

Mas quem espera ver os shows que marcaram o festival se decepcionará. O intuito do filme não é esse e sim, humanizar os bastidores que antecederam o espetáculo. A intenção parece também atingir a música. Esperava um pouco mais de Danny Elfman (O Estranho Mundo de Jack, Batman), responsável pela trilha sonora do filme – também um dos meus trilheiros prediletos. O filme perde um pouco com isso, no instante em que falta o elemento essencialmente integrante à estória, a música – ela é a temática, poderia ter sido mais bem explorada. Não posso falar o mesmo da fotografia. Eric Gautier (Diários de Motocicleta), é o braço direito de Ang Lee no longa. Com uma câmera na mão que flui em movimentos ágeis, ele dá uma dinâmica aos enquadramentos mutantes, num objetivo de empregar uma estética de documentário ao filme. Isso fica claro, quando, aleatoriamente, takes filmados em Super-8 se misturam às cenas. É lógico que Lee também é responsável pela magnitude das imagens e dois elementos afirmam isso. Um deles é a divisão da tela em dois ou até três quadros (recurso já visto em Hulk) que, bem executada, mostra uma visão subjetiva do personagem em primeira pessoa num primeiro quadro, ao mesmo tempo em que plano e contra plano são mostrados em outros quadros. Outro elemento, digno do diretor, exalta seu talento de ter um olhar apurado sobre o comum – um plano-sequência do trajeto de Elliot para chegar ao local do festival, onde ele atravessa uma multidão de pessoas e carros engarrafados.

O roteiro é bem resolvido e os personagens muito bem estruturados. O elenco se encaixa tão bem que dá a impressão de que os atores nasceram para os respectivos papéis. É interessante como o personagem central, Elliot, lida com seus conflitos – internos e externos. Ele parece estar preso entre a obrigação que tem com a família e se libertar disso; se mantém em seu tipo de padrão comportamental puramente por culpa. Como ele, cada pessoa, de maneira diferente evolui ao longo do filme.

Enfim, os 40 anos de Woodstock foram merecidamente homenageados com essa releitura que traz um tempo dos verdadeiros ideais da contracultura; uma história humana transformadora, colocada no contexto de um evento cultural igualmente transformador.


Parceria - Lixeira Dourada





Post formal pra avisar que iniciamos uma parceria com o site Lixeira Dourada. Estaremos colaborando com críticas de toda a equipe.

Já na semana passada tivemos um post do Matheus Miguens com um crítica ao Taking Woodstock (Aconteceu em Woodstock). Dêem uma olhadinha aqui:
http://www.lixeiradourada.com/2009/11/237-cadernos-do-cinema-viva-era-de.html

(Esse texto também será postado no blog após esse post)

Gostaria de agradecer à equipe do site pela parceria. Acessem o
Lixeira Dourada e participem!

http://www.lixeiradourada.com/

sábado, 14 de novembro de 2009

Vigaristas (The Brothers Bloom)

Por Rafael Mathias


Continuem indo aos cinemas pelos atores. Sim, vale a pena. Fui movido para assistir a Vigaristas única e exclusivamente pelo super elenco (e só pelo elenco, pois detestei o trailer) e não me arrependi. Afinal de contas quem é Rian Jonhson? Melhor dizendo, quem "era" porque ele agora é o diretor de um filme que superou as minhas despectativas.

O longa-metragem inicia e vai adiante com um trabalho de edição impressionante. Um voice-over nos introduz aos irmãos Bloom de maneira divertida. Imagens narrativas, sacadas nos movimentos de câmera, Rian Johnson mostra que sabe o que está fazendo.

A trama é consistente e bem amarrada pelo roteiro. Apesar de a história parecer boba, tem uma questão central interessante: a agonia de ter a vida traçada detalhadamente. Agonia vivida pelo personagem de Adrien Brody, apenas conhecido por seu sobrenome, Bloom, enquanto seu irmão (Mark Ruffalo) é tratado como Stephen, seu primeiro nome.

Voltando ao roteiro: com muitas idas e voltas propositais, fica clara a intenção de Rian Johnson (que é o próprio roteirista), confundir pra explicar, fórmula bastante usada no cinema americano. Porém, Johnson o faz com maestria, como se tivesse acabado de ganhar um diploma do curso de roteiro, com direito a uma estrelinha de ouro de melhor aluno.

Americano na fórmula, o filme é passado na Inglaterra. Curiosamente, parece ser ambientado no início do século XX (com o auxílio do figurino), mas faz uso de elementos totalmente contrastantes da contemporaneidade. Esse recurso só colabora com o humor imagético bastante presente, de forma inteligente, sempre quebrando o clima com algumas surpresas (novamente com a ajuda da edição).

Apesar de o título traduzido ser dos mais bregas, Vigaristas é um filme que merece ser visto pela competência geral e a sensibilidade técnica do diretor, além de servir como um ótimo entretenimento.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Coco Antes de Chanel (Coco Avant Chanel)

SESSÃO "Crítica Dupla"



Por Gabriel Giraud

Ver filmes biográficos foi sempre um problema para mim. Sempre achava chato. Poxa, pensava eu, como pode ser legal um filme que você sabe que o personagem principal morre no final. Confessar-lhes-ei, estimados leitores, que guardava esse enjoozinho até pouco tempo, quando caí numa sala de cinema para ver Diários de motocicleta. Aprendi como um recorte interessante de uma vida polifônica pode ser atraente. Isso quebrou o meu preconceito.

Algum tempo depois, ocorreu-me um arroubo sentimental quando vi La Môme – principalmente pela atuação enérgica e majestuosa de Marion Cotillard –, e isso me mostrou quão grandioso esse gênero pode ser. Já em Coco avant Chanel, a biografia cinematográfica chega a um equilíbrio e a uma sensatez matemáticos.

A atuação de Audrey Tautou liberta-se do estigma “Amélie Poulain” – pelo menos eu sempre a via como “a cara francesa conhecida para fazer filmes de alcance internacional”– e atinge um trabalho justo e preciso. Desse modo, o recorte da vida de Chanel – muito bem desenhado pela, além de co-roteirista, diretora Anne Fontaine – ganha uma riqueza e profundidade, revelando quão importante foi essa fase para a formação da própria personagem que Chanel era na vida real.

O trabalho harmônico entre os movimentos de câmera e a trilha aponta os momentos de decisão de Coco, sempre num enquadramento em que ela fica no centro, destacada por sua diferença da mesmice que a envolve. No entanto, o grand finale com o jogo de espelhos no seu desfile brinca com as várias facetas dessa mulher – sempre com um rigor estético impecável.

Coco avant Chanel é, como a crítica do JB disse, “clássico como um tailleur Chanel”. Acrescentemos, justamente: e também é lindo.



Por Victor Quintanilha

Assisti ao filme com uma expectativa não correspondida, o que não é de todo mal. Esperava apenas mais uma biografia, sendo que com um bônus: um catálogo de moda. A película foge disso ao exibir o figurino em níveis aceitáveis, sem corromper ou desencaminhar a história, utilizando como manequim as medidas e a graciosidade de Audrey Tautou.

Graça e feminilidade que são levadas quase ao limiar, sem comprometê-las, a partir do ponto que a Gabrielle Chanel é retratada como uma mulher de beleza o mais próxima possível do natural, fugindo da exuberância e dos excessos. Característica que se reflete na maquiagem da Audrey, simples e descompromissada de esconder as olheiras e outras imperfeições.

Também com pouca maquiagem é contada sua história. Chanel, segundo o filme foi uma mulher distinta, que soube abrir as pernas para as pessoas certas (o que não implica em falta de competência), e se tornou uma das mulheres mais poderosas da época, em uma sociedade completamente machista.

Vale destacar a grande interpretação de Benoît Poelvoorde como coadjuvante, com o humor e a caricatura de um aristocrata do início do século XX. Um personagem que é introduzido como uma pessoa repulsiva, mas que, ao longo do filme, conquista o expectador.

Os enquadramentos são bem escolhidos e a composição é de se respeitar. O que deixa a desejar é o foco de muitos planos abertos do filme, sempre um foco doce ou um foco em um ponto sem fundo narrativo ou de qualquer tipo de significação. O motivo para isso? Não sei.

Ao final da projeção vê-se levantar uma grande mulher, que alcança patamares jamais imaginados. Toda sua imponência é explorada em um desfile de sua grife (o único do filme), uma seqüência belíssima, repleta de espelhos e quadros com predominância da cor branca numa escada espiral. Escada que subiu acima de todos.


terça-feira, 3 de novembro de 2009

O Caçador (Chugyeogja)

Por Gabriel Giraud



É um entusiasmo abrir o caderno de cinema de um jornal, ler uma crítica maravilhosa de uma estreia e ter tempo e dinheiro para ir ver o filme. Foi o que aconteceu quando eu fui ver o suspense sul-coreano O caçador.

O filme é estilo mocinho duvidoso contra psicopata inesperado, numa Seul noir, com luzes que calam os sentimentos dos personagens. No início do filme, achei o protagonista (o cafetão ex-policial Joong-ho Eom, vivido por Yun-seok Kim) meio canastrão, já que o cara-de-cabelo-bagunçado-fumando-um-cigarro-despretensiosamente-na-chuva é um clichezão chato dos brabos advindos dosthrillers americanos pós era noir.

No entanto, na sua busca pela prostituta desaparecida Mi-jin Kim (Yeong-hie Seo) – na verdade, vítima do serial-killer Young-min Jee (Jung-woo Ha) – o charme do modo oriental de fazer as coisas aparece. A articulação de cenas aterrorizantes (dignas de inspirações para Jogos mortais e afins) com toques de humor formam uma tragicomicidade ímpar. Os desencontros dão o tom verossímil na trama, que se fecha de tal modo que sufoca o espectador.

A falta de perspectiva do protagonista ante a ausência de provas para incriminar o assassino confesso; o choro da menina pela morte da mãe calado pela chuva impetuosa; as corridas e perseguições intermináveis; os espancamentos como única saída de ação; a burocracia e o mal-funcionamento da polícia coreana. Elementos orquestrados a fim de manipular sadicamente o espectador, que é sugado para dentro da trama. Impossível é não se desesperar com o personagem. O diretor Hong-jin Na fez com seu primeiro filme um primoroso exercício de sadismo.